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Dois pesos, duas medidas

 
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Lais Myrrha, Double Standard, 2016, woody vines, logs, straw, bricks, cement, steel, glass, pipes. Photo: Pedro Ivo Transfetti, courtesy of Fundação Bienal de São Paulo.

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Lais Myrrha, Double Standard, 2016, woody vines, logs, straw, bricks, cement, steel, glass, pipes. Photo: Pedro Ivo Transfetti, courtesy of Fundação Bienal de São Paulo.

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Lais Myrrha, Double Standard, 2016, woody vines, logs, straw, bricks, cement, steel, glass, pipes. Photo: Pedro Ivo Transfetti, courtesy of Fundação Bienal de São Paulo.

Quando eu projetei a obra Double Standard para 32ª Bienal de Arte de São Paulo, Incerteza Viva,1 eu estava pensando muito sobre como as culturas implícitas em cada uma das torres era valorizada de forma tão desigual. Mesmo depois de Benjamin e da nova historiografia da École des Annales e outros tantos esforços para escovarmos a história a contrapelo, as culturas mais celebradas e valorizadas continuam sendo aquelas capazes de produzir imensas e numerosas ruínas.

Há o exemplo de um povo que viveu no território chileno no sul do Peru e produziu múmias cerca de dois mil anos mais antigas que as egípcias. Entretanto era um povo que deixou pouquíssimos rastros legíveis para nós. Estudos dizem que eram pescadores, possivelmente um povo cujas construções eram mais efêmeras e viviam numa sociedade nada ou bem pouco hierarquizada pois, ao que tudo indica, todos que morriam eram igualmente mumificados. Outra história muito especial que eu ouvi de um arquiteto que participou da Bienal de São Paulo comigo, chamado Paulo Tavares, é sobre como determinados povos indígenas da Amazônia enxergam a floresta. Eles são capazes de reconhecer, pela idade das árvores, sua distribuição, vazios entre elas e outras características que agora me escapam, sinais de antigas ocupações da terra. Onde vemos apenas árvores e clareiras, eles vêm ruínas e monumentos.

Roland Barthes tinha razão quando escreve no seu livro Camara Lucida que vivemos já a algum tempo (para ele desde o século XIX) uma crise antropológica da morte e eu acrescentaria também, do amor. Citarei aqui suas palavras:

(…)the "crisis of death" beginning in the second half of the nineteenth century; for my part I should prefer that instead of constantly relocating the advent of Photography in its social and economic context, we should also inquire as to the anthropological place of Death and of the new image. For Death must be somewhere in a society; if it is no longer (or less intensely) in religion, it must be elsewhere; perhaps in this image which produces Death while trying to preserve life.

E mais adiante continua:

In front of the only photograph in which I find my father and mother together, this couple who I know loved each other, I realize: it is love-as-treasure which is going to disappear forever; for once I am gone, no one will any longer be able to testify to this: nothing will remain but an indifferent Nature. (R.B.)

Talvez a indiferente natureza não exista, talvez precisemos reaprender a olhá-la e reconhecer seus sinais. Talvez esse amor cujo desaparecimento Barthes lamentou seja um traço de uma civilização que agoniza, uma civilização fundada no patrimonialismo que a família nuclear patriarcal tão bem representa e defende. Talvez, esse desaparecimento não seja do amor propriamente dito, mas das condições necessárias para fazê-lo prosperar. Talvez, por isso mesmo, seja bom que ele morra e isso não quer dizer que amaremos menos nossos filhos e nossos pais, mas que devemos aprender com alguns povos o sentido de amar uma família extensa e o mundo que ela habita. Devemos reaprender a amar com aqueles que conseguem enxergar as árvores como monumentos de civilizações passadas.

Aprender, com esses povos que nos ensinam, silenciosamente, que a morte, para ser lembrada, não precisa estar sob uma estéril e grandiosa laje de pedra, nem tampouco em fotografias, which produces Death while trying to preserve life, pode estar mesmo na delicadeza, em meio à vida, em plena floresta verdejante.

Curadoria de Jochen Volz, Gabi Ngcobo, Júlia Rebouças, Lars Bang Larsen e Sofía Olascoaga.

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